sábado, 20 de fevereiro de 2010

Tarde de Luzes

Entrevista com Luis Humberto

Arthur Monteiro


Arquiteto por formação, co-fundador e professor da Universidade de Brasília, fotojornalista, autor de quatro livros, pai e avô.

Luis Humberto escreve poesia com silêncio e luz.

Iniciou na fotografia registrando sua família e a delicadeza do dia a dia, seguiu para os maiores veículos jornalísticos do país como fotógrafo e editor e lutou pela imagem na ditadura militar. Colocou Brasília e o fotojornalismo político na pauta, pensando forma e informação.

Em um fim de dia, Luis Humberto recebeu PUNCTUM e Rinaldo Morelli para uma tarde repleta de luzes.

Sobre fotografar:

Você fotografa para você, não para os outros. Essa democracia toda é conversa. Não posso atingir o mundo. Fazemos para agradar a nós mesmos. Você joga isso à partilha de pessoas que estejam eventualmente interessadas em dividir isso contigo. Se não estão, o que posso fazer? Não posso induzir ninguém a fazer as coisas da minha maneira, nem gostar de tudo que faço. A riqueza da humanidade é sua pluralidade, ela não atrapalha e que bom que seja assim, a gente aprende muito.

Fotografia como arte:

Uma coisa que não devemos nos preocupar é em buscar um aparentamento da fotografia com formas já consagradas de arte visual. Isso leva-a a um abastardamento, ela tem uma ontologia própria. (…) O processo de criação está nas escolhas, na ordenação da linguagem. Toda manifestação de linguagem organizada é arte. Há uma confusão entre o que é arte e o que é aquilo enquanto duração como arte. Câmera, filme e processamento são um conjunto de meios destinados a produzir o registro de nossas visões de vida, apenas isto.

Obras de arte:

Eu vejo tudo, sem me prender a nada. Aprendi com o tempo a aceitar, a princípio, as diversas manifestações expressivas, pelo entendimento de que não podemos estabelecer categorias dentre aqueles que trabalham com arte. Cada indivíduo é um universo infinito de capacidades diferentes de leituras de mundo. Claro que se uma obra passa pelo crivo do tempo e sobrevive, torna-se uma referência permanente. Ainda tem o gosto, o julgamento de centenas de pessoas. É um mundo muito rico e que não podemos nos angustiar em excluir, temos que engolir. Com o tempo aprendemos que existem pessoas que trabalham bem, mas não é o cara que te fala ao coração. O que te toca? Toca em você de maneira diferente que toca em mim.

Banalização e falta de entendimento sobre a fotografia

(Acham que) fotografia não é um negócio importante, ela está no nosso cotidiano e como você sempre a vê impressa, tem uma familiaridade com ela que não te permite perceber a sua qualidade. Porque ensinar a técnica, qualquer um ensina. “Ah, você quer mais profundidade de campo? Você quer mais isso, mais aquilo?” Isso você ensina. Agora, discutir critérios e conceitos e olhar a fotografia criticamente é uma questão de complexidade bem maior.

Causo sobre a visão que as pessoas têm sobre fotografia.

Eu saía de férias todo fim de ano, ficava naquela obrigação de fotografar parentes. Aí fiz o seguinte: eu chegava, fazia o filme e entregava para quem eu achava ser o mais responsável. No outro ano, minha cunhada veio (estava com ela o filme) “Poxa, o pessoal lá onde mandei revelar, disse que nunca tinha visto umas fotos tão bonitas.” Ela falou: “Aí eles me perguntaram se aquilo se devia ao fotógrafo ou à máquina” Fiquei esperando a resposta dela: “Metade, metade”. (Risos) Metade é o fotógrafo, metade é a máquina. Aí eu disse que ela esqueceu o filme também. (risos) É, não tem jeito. Mas isso é um entendimento que leva muito tempo para se formar na cabeça das pessoas. São os equívocos, a gente não pode nem perder tempo. Podemos incorporar no anedotário. A coisa é tão mais complicada, tão mais bonita, tão mais sofrida, que não temos que considerar isso como algo que valha a pena. Não há entendimento de que a câmera é somente um intermediário entre intenções e resultados. O que importa está na sensibilidade de quem fotografa, ela é a real força de criação.

Manipulação na fotografia digital

Acho que as pessoas tão fazendo isso sem sentir. De um modo geral não ligam muito, olham como uma espécie de descoberta de truques… Outro dia nós fomos jantar, era o aniversário de um amigo. Uma convidada, dessas que não conseguem ficar caladas mais que a tua pergunta, foi apresentada a mim. Meu amigo disse: Esse aqui é o Luis Humberto, fotógrafo. Ela disse: “Ah, fotografia? Eu acho fotografia um negócio um pouco trick, né?” Como quem diz “cheio de macetes”… Eu disse: “Essa é a visão primária do que as pessoas que não conhecem o assunto têm!” Aí matou logo o jantar, vamos tratar da comidinha, vamos parar de posturas pseudo-intelectuais… Ela ficou quieta. Porque não pode calar não. O tempo todo você enfrenta esse assunto. Eu estou com 46 anos de fotografia, e enfrento isso o tempo todo, essas visões pré-concebidas. Acho que tudo nasce um pouco dessa idéia da fotografia estar ligada a um certo compromisso aparentemente implícito com a reprodução ipsis literis do real. E não é, a gente sabe que não é! A fotografia é um meio, ela pode eventualmente servir como um caminho documental, mas não é uma obrigação com a reprodução estrita do real. Ela é um meio de entrar na realidade e traze-la transcrita a partir de sua visão de mundo. Parece complicado, mas é mais do que parece.

Sobre fotografia como profissão:


É uma profissão fantástica. Quando troquei de profissão, foi um escândalo na família. Eu já era grande, ninguém passou fome. Você vai à luta, é paixão, não tem jeito, não pode ser outra coisa. É tão maluco, as perspectivas são tão degradantes para o fotógrafo (risos). Quando comecei, mandei meu portfólio para o Jornal do Brasil, era o melhor lugar para fotografia jornalística, o Walter Firmo já estava lá. O currículo que eu tinha na época era de professor universitário, então mandei. Anos depois desconfiei que o editor pensou que aquilo era chave de galão, mas era o que eu tinha. Sou brasileiro, brasileiro é todo deformado, onde você começa como professor universitário e vai virar fotógrafo de jornal!? Quem vai acreditar nisso!? Recebi então uma carta, dizendo que quem era bom provava no trabalho. E eu queria trabalhar lá. Ele me mandou as fotos de volta, e encaminhei o mesmo grupo de fotos para a Editora Abril, que acolheram com muito mais generosidade e me ofereceram um posto em São Paulo, o qual na época, não pude aceitar.

Sobre o mercado de trabalho do fotojornalismo

Criou-se uma geração muito grande de fotojornalistas de muita qualidade e há uma geração nova de fotógrafos muito bons. Os caras não tinham escolaridade e isso não é nenhum desdouro para eles não. Foi assim que se formou o quadro de fotojornalistas brasileiros. Sou um cara estranho, do ponto de vista etário eu deveria pertencer a uma geração mais antiga, do Walter Firmo. Mas pertenço a outra geração porque cheguei tarde. No começo julgava duramente algumas dessas pessoas, depois você olha e a vida para eles não foi fácil , houve muita luta e pouco reconhecimento.

Ser fotojornalista em Brasília

Hoje o mercado é mais exíguo. A princípio, sem pensar muito, eu acho que as dificuldades básicas continuam como eram no começo. Houve um momento em que o grande espaço era o fotojornalismo. A Veja me dava um certo prestígio, tinha dentro da própria empresa um certo movimento, tinha um diretor de sucursal que era uma figura rara, o Pompeu. Pude favorecer o crescimento de free-lancers dentro da Abril: Juvenal Pereira, Valter Sanches e fui trazendo, Samuca, Marcos Santili… São pessoas que a gente foi puxando para dentro da própria empresa. Não havia promessa, era “se aproxima e vem”. Tive uma experiência no Jornal de Brasília em que a gente pôde revelar umas pessoas. Mas hoje em dia essas coisas tão muito raras… Em nome da eficácia e da rentabilidade da empresa, houve uma redução de custos e um prejuízo humano considerável. Não estão muito preocupados com pessoas capazes de fazer da fotografia um meio de expressão digno, uma coisa que tenha beleza, que seja infinitamente rico! Todo meio de expressão é. Então você tem aqui o que? Você enfrenta um chefe de redação com visões limitadas – nisso eles não evoluíram nem um pouco – e aquela visão que eles têm da fotografia, extremamente primária. E com isso aumentam as dificuldades, esse é um problema antigo e parece que interminável com relação à fotografia. O espaço onde ocorrem as decisões nunca foi ocupado por fotógrafos, porque os fotógrafos nunca se qualificaram também, sempre se mantiveram no papel dos coitadinhos. Sempre alguém está devendo a eles. Isso fez com que muita gente fosse embora. Agora, é comovente, porque quando eu comecei – comecei tarde, com uns 28 anos, mas me profissionalizei com uns 32 –comecei a trabalhar para a Abril e você não tinha onde colocar tanta gente. Aí as sucursais abriram. Hoje em dia você tem a digital, que não tem esse problema, você pode comprar uma digital, o cara ta lá com seu laptop e seu telefone celular, joga na tua redação, direto sem perguntar nada a ninguém. Estive em um grande jornal há uns anos, e me mostraram maravilhados a nova tecnologia, as fotografias lindas, brilhantes… E eu olhando e tentando me conter para não achar também! Mas o negócio é o seguinte: eles botavam aquilo num terminal de computador, acionavam uns botõezinhos, aparecia uma quantidade enorme de fotos para escolha da definitiva. Você não tinha nenhuma ingerência, você que fazia. A questão da autoria era inteiramente brecada, inteiramente bloqueada nesse movimento. Você fazia, mandava e quem editava eram eles. E sempre os comentários são inteiramente primários. Esse adjetivo não é forte nem ressentido, porque não mudou nada em relação ao meu tempo de iniciante e isso tem o que? Quarenta anos. Não mudou nada. Então para isso, tem que se encontrar um caminho de luta, de outros espaços para que você não vá ficar devendo ou à espera permanentemente de um lugar ao sol.

Brasília ser produtora de fotojornalismo

Não deixa de ser porque como é centro de poder, você sempre tem Anões do Orçamento, mensalão e agora o Renan Calheiros… Então tem sempre esses elementos que dão material para você trabalhar. Só que eles criaram outros impedimentos, no nosso tempo a gente corria em frente à mesa do Senado, subia – por trás do Senado e da Câmara – fazia embaixo, você trabalhava com as bancadas. Agora é todo mundo de terno e lá em cima. Outro dia eu vi pequenininhos, de raspão, coitadinhos… Os caras lá em cima pareciam uns micos dentro do zoológico, fotografando lá de cima. Quer dizer, isso cria um engessamento da movimentação para a fotografia… Porque a fotografia, principalmente jornalística, é você dominar o espaço. Você tem que se movimentar, porque se você se movimenta, consegue ver coisas, cercar melhor. A posição do fotógrafo no espaço é fundamental. E como você vai falar de posição do fotógrafo no espaço se você vai olhar por aquele buraco, aquele vidro, todo mundo trepado um em cima do outro, com uma tele, todo mundo fazendo as mesmas fotos? Ou bem próximo, ou dependendo muito não do teu talento, de ir buscar e encontrar alguma coisa significativa, mas esperando que o cara bote o dedo no nariz, como se dizia antigamente, alguma coisa que não tem a menor importância, coisas anedóticas para que isso seja usado como fotojornalismo. Na verdade não é, né? Quer dizer, é e não é. Essa é a cara do fotojornalismo hoje. E o fotojornalismo se faz na rua. Mesmo assim os talentos continuam a surgir, incomuns e inaproveitados.

Baixa qualidade do fotojornalismo atual

(falava-se sobre décadas anteriores quando o fotógrafo buscava sempre transmitir uma mensagem crítica na imagem) Hoje em dia eu olho e não acho nada. A história mostra que você tem um ápice e depois cai. As circunstâncias é que fazem essas mudanças ocorrerem. Houve desde o período da ditadura para cá uma desqualificação geral dos quadros profissionais brasileiros, se você considerar a atitude que o cara deve ter. As queixas contra os médicos, as queixas contra qualquer tipo de profissional. Isso vem dentro de uma atitude que foi diluída. Porque? Não sei, pela impunidade, falta de cobrança, desaparecimento das gerações mais velhas – que seriam as gerações que conduziriam essa moçada à luta – a falta de orientação… Esse negócio das cabeças pensantes não pertencerem aos fotógrafos e eles aceitarem isso porque não se qualificam e não buscam o poder, aceitar ficar do jeito que está… Tem uma história de um incêndio, num daqueles prédios de São Paulo – o Joelma ou um outro – tinha um cara na redação “Pô, eu to aqui sozinho, me vê um fotógrafo” O cara era o editor de fotografia! Aí um cara passou e disse: “Mas você não é fotógrafo?” Ele tinha esquecido! Quer dizer, se ele tivesse mantido essa identidade, assim que apareceu a pauta ele falaria “Olha, eu vou sair para esse incêndio!” Ia até a mesa, pegava a câmera e ia. Mas não, ele ficou sentado esperando que Nosso Senhor Jesus Cristo provesse um fotógrafo para ele, para resolver a vida.

Sobre a experiência como editor no Jornal de Brasília

Nós pegamos um pessoal muito novo, que era Marcos Santilli, Salomon Cytrynowicz, Antônio Pinheiro, Guilherme Romão e montamos um grupo. Quando olhei para aquela turma, sabe o que é você ter um ataque cardíaco? Era um grupo tão desigual, de formação diferente, eu disse “Mas vamos ver como é que dá certo”. Porque dá, é possível, você não pode vir com idéias pré-concebidas. O que eu queria é que houvesse um rendimento bom, queria que cada um se manifestasse no seu jeito particular de ser. É a única maneira que você tem de obter um bom resultado. Você tinha que adequar os caras às pautas. Você não pode chegar e mandar o cara fazer qualquer coisa. Se você manda um fotógrafo para o Palácio do Planalto, que não sabe quem era o Presidente da República, ia fotografar como qualquer coisa, como a Miss Brasil, por exemplo, não faria diferença para ele! No último dia útil da semana, a gente dava uma espécie de aulinha para eles, levava revistas… Fiz pouca coisa porque não deu tempo, você tem que sentir receptividade disso em função do andamento do trabalho. E nós pegamos, por exemplo, as duas páginas centrais, acertamos com o Comercial e era proibido botar anúncio ali. Botávamos as páginas limpas e começamos com ensaios fotográficos só com foto, depois passamos para um ensaio fotográfico com um pequeno olho, que quem escrevia era o editor de Cidades, um diplomata e jornalista que tinha saído da chefia da Veja e ido para lá. Levamos aquilo como uma experiência nova, começamos a fazer umas coisas boas, passaram a vender mais o jornal. Mas isso não comove não. Porque cara que pensa dentro de um jornal de uma forma autônoma e bota outros para pensar, é perigoso. Porque o jornal tem dono. E não é o povo da cidade não, meu amigo, quem disse isso ta mentindo (risos).

Sobre edição:


(…) Quem tem que ser o editor não é o cara que fotografa melhor, é o cara que tem idéias sobre a questão da fotografia. Foram anos nessa batalha. A gente trabalhava (no Jornal de Brasília e na Revista Veja) muito com a idéia do conceito. Eu não mandava copiar as fotos e fazer um portfólio para eu ver. Eu queria o contato, queria ter uma idéia do processo de criação e então discutíamos.

Sobre buscar a informação:

Quando fui ao Irã fazer uma pauta para a Claudia, fiquei 21 dias. Foram uns 90 rolos, cerca de três por dia. Isso para um americano era pouco. Em Paris, fiquei 8 dias esperando o avião da Air France para Teerã, comprei um livro sobre o Irã e li. Você não pode chegar num lugar desinformado, sem saber do que se trata. No caso do Irã é complicado, uma história rica de guerras, dinastias, etc. O risco do fotojornalismo é ser pego pelo olho e ficar fotografando coisas que não interessam ou que são falsas, sem significação ou informação. Você fica meio perdido.

Diria algo a quem está começando?

Tenho muitas coisas a dizer. Tem que respeitar a pluralidade. Não só a humanidade é plural, como você também. Com o tempo você se transforma em outra pessoa, tem outras visões de mundo, outras maneiras particulares de ver. São experiências novas que se incorporam. Não perca tempo achando que Fulano está bem ou mal, você que deve estar bem a partir de seus critérios. Submeta que seu trabalho não se feche em você, não se feche em torno de si mesmo, não seja seu próprio juiz. Você tem que ser mais generoso consigo mesmo. Autocrítica é um negócio importante. Em 1967, eu já estava em operação ha uns cinco anos. Estava em Ouro Preto com um amigo, fui fotografar para um fascículo da Ed. Abril. Comecei a fotografar e comecei a me sentir tão incompetente, “Acho que não dou para esse negócio”. Foi uma baixa e depois passou. Não fiquei convencido não, mas achei que havia uma possibilidade (risos). É um sofrimento que está dentro da vida do artista. O Felizardo me disse um negócio muito bom – somos amigos há uns 30 anos -, e conversando com pelo telefone, ele dizia: Se você disser que é um artista, as pessoas acham que você está se auto-elogiando. Na verdade é uma condição do teu trabalho, da natureza do teu trabalho. Você é artista porque é um cara que cria. Se cria bem ou mal, é uma coisa que o tempo vai resolver. Você pode ir para lugar nenhum, pode ir para as antologias, pode não ir e ser descoberto por alguém 200 anos depois, ou pode não ir e ficar por isso mesmo, desaparecer no tempo, virar poeira. O trabalho é esse, você tem que ter mais respeito pelo que faz e sobretudo pelo que os outros fazem. Claro que tem vigaristas inomináveis, você tem que mobilizar seu espírito crítico, fazer um exercício constante para saber quem são eles.

(…)

Na época da Veja, o Marcos Santilli escreveu um documento ao Mino Carta na qual ele dizia uma coisa que nunca esqueci: “A fotografia é um ato individual, mesmo porque, no visor só cabe um olho de cada vez.”

O que é punctum?

Isso foi algo que me perguntei por muito tempo. Sou fã do Roland Barthes, é uma pessoa extremamente sensível. O punctum é um ponto que o cara elege. O punctum de uma foto para Barthes é diferente do meu punctum para a mesma foto. Ele diz isso. De vez em quando leio a Câmara Clara de novo, o livro está todo riscado. O Barthes não fez fotografia, mas tinha uma percepção rara, ele vale a pena mais do que esses saberes elaborados com os quais a gente cruza a toda hora. Mas punctum é um ponto que puxa você. Tem a célebre foto da menina negra, Barthes é vidrado no cordão do sapato dela. É uma coisa que o puxou, é algo que atrai muito a pessoa. É uma variável, não é um dado fixo. O punctum para ele não é o mesmo para você, tem mais a ver com o ler a imagem do que o fazer. Não sei se com vocês acontece, quando fotografo, tenho o protagonista da imagem, mas tem coisas em volta que eu dou uma arrumada, o canto do olho trabalha nisso.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O inferno nem é tão longe





O mês em que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ganhou o prêmio Nobel da Paz por seus “extraordinários esforços para fortalecer a diplomacia” registrou o maior número de soldados mortos no Afeganistão desde o início do conflito, em 2001. O período ainda foi marcado pela onda de violência nos frontes da guerra, com grandes atentados no Afeganistão, Paquistão e Iraque.Obama defende a retirada gradual das tropas do Iraque e um maior envolvimento da comunidade internacional no conflito afegão. O problema é que o último atentado em Bagdá, que deixou 155 mortos e mais de 500 feridos, demonstrou que o Iraque não está tão seguro como se imaginava. Enquanto isso, o Taleban promove grandes ações contra alvos internacionais, como o ataque com coletes-bomba e atiradores que matou 12 pessoas numa residência da ONU no coração da capital afegã, Cabul. Nesta semana, o Paquistão, que promove uma ofensiva contra redutos do Taleban e da Al-Qaeda na fronteira com o Afeganistão, sofreu o seu pior atentado em dois anos. Um carro-bomba foi detonado em um mercado lotado no noroeste do país, matando mais de 100 pessoas – a maioria mulheres e crianças – e ferindo mais de 200.

Texto: Talita Eredia
Veja todas as imagens editadas por Nilton Fukuda aqui.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

The Chinese

























After two hundred years of relative decline, China is about to regain its geopolitical importance and is one of the fastest developing countries in the world. The Chinese society is in an unparalleled upheaval. But the effects of the incredible economical boom aren’t felt the same way throughout the country. While urban centers like Shanghai and Hong Kong aren’t much different from big Western metropolis anymore, there are still a lot of small towns in the countryside that seem to come out of a different age.

In June we travelled to Beijing, to start from there an epic road trip through 30 of Chinas 33 provinces, independent cities and autonomous regions. We were on the road for more than seven months, travelled over 30000 kilometer and visited many remote and untouched areas. On this trip, we shot portraits of people from the most different social backgrounds, in all areas of this vast country. From the mighty industrialist Ying Ming Shan in Chongqing to the poor coal miner Su Zhenglin in Shanxi province. From the prostitute Xia Lan in Shenzhen to Yao Dongmei, the project manager of the prestigious CCTV tower construction in Beijing. The people were always shot in their natural environment.

These portraits tell much about China today. A fascinating place full of contradictions.

Images: Mathias Braschler & Monika Fischer

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A verdade é a mais pura verdade


Ana Cristina, minha irmã, fotografada por mim depois de retirar um tumor maligno e seus dois seios.Te amo Cris!

ESTATUTO DO HOMEM
(Ato Institucional Permanente)

A Carlos Heitor Cony

Artigo I

Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.


Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.


Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.


Artigo IV

Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:

O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.


Artigo V

Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.


Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.


Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.


Artigo VIII

Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.


Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.


Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
o uso do traje branco.


Artigo XI

Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.


Artigo XII

Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:

Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.


Artigo XIII

Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.


Artigo Final.

Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.

Thiago de Mello
Santiago do Chile, abril de 1964

domingo, 4 de outubro de 2009

Da sucata ao luxo


Dinorah José Borges

Por Marcelo Abreu, Correio Braziliense

De longe, ela acena. O sorriso é bonito, mesmo com tanta tragédia. Os olhos esverdeados gritam por vida. Está de luvas, máscara e uniforme no meio de toneladas do que ninguém mais quer. É lá, na Central de Reciclagem do Varjão (CRA), que aquela mulher tira o sustento de todo dia. E não é fácil ser ela. Aos 40 anos, é viúva, teve 10 filhos, contam-se até agora 12 netos e seis bisnetos. Hipertensa desde jovem, há quatro anos, mal completara 36, teve um brutal acidente vascular cerebral (AVC). O médico lhe disse que nunca mais andaria ou falaria. Pouco tempo depois, ela andou e falou. Voltou a trabalhar. Sentiu a vida se expandindo por todos os poros.

Ex-doméstica, ex-empacotadora de supermercado, a vida nunca lhe fora fácil. Para completar, a casa em que vivia havia mais de 20 anos no Varjão estava em terreno inadequado. Com a padronização e postura do código de edificação em vigor na cidade, o barraco teve de ser demolido. Ela chorou, mas precisou enxugar as lágrimas. Era tudo que conseguira na vida, desde que ali chegou, no começo de tudo, antes mesmo de o lugar virar cidade.

A administração, porém, não a desamparou. Prometeu ajudá-la no aluguel até que ela construísse, ali mesmo, mas de forma regular, sua nova moradia. E ela voltou a trabalhar. Reciclou mais do que nunca. Dinorah José Borges é uma fortaleza. Na terça-feira, enterrou uma sobrinha que morava no Paranoá. Chorou mais uma vez como chorou a morte do filho mais velho, assassinado há três anos no mesmo lugar onde nasceu. No dia seguinte, depois do enterro, voltou a trabalhar. E mais uma vez enxugou as lágrimas.

Dinorah é vaidosa. “É a única coisa que ainda me restou. Até a minha casa eu perdi”, ela diz. A vaidade a levou a ter tatuagens. Atrás das orelhas, desenhou estrelinhas. Nas costas, um golfinho. No tornozelo, rosas. Usa piercing na sobrancelha e as unhas são pintadas com desenhos de flores. Nos dedos da mão direita, três anéis feitos de casca de coco. Na esquerda, a mesma quantidade.

Dinorah recicla o que não serve mais para ninguém. Dali, com mais 25 mulheres, tira o seu sustento. Quando o mês é generoso e aquela gente abastada do Lago Norte joga fora o que não cabe mais em suas casas igualmente abastadas, consegue juntar até R$ 300. O Varjão, com 9 mil habitantes, colado ao Lago Norte, está a anos-luz dali. Ela nunca teve dúvida da distância que separa os muito ricos dos muito pobres.

Inédito

Com a casa no chão, o único bem que conseguira juntar em 20 anos de Varjão, a administração prometeu ajudá-la. A professora Ana Beatriz Goldstein, 42, coordenadora de projetos especiais da regional, teve uma grande ideia. Por que não montar um ambiente da cidade no Casa Cor Brasília(1)? Levou a ideia às organizadoras. Aceitação total. A administradora Luiza Werneck, 53, também comprou a novidade.

De volta ao Varjão, Ana Beatriz reuniu as trabalhadoras da CRV e da Associação Girassol, mulheres costureiras que aos poucos, com suas confecções, estão se tornando independentes e levando suas peças às lojas da capital. Contou-lhes a proposta de levar o que de melhor a cidade tem para aquele mundo tão longe da vida delas. E, num trabalho de extrema parceria, empresas e entidades se juntaram em prol do Varjão. Dos resíduos que chegam ao galpão, das sucatas, nasceu a arte. Durante 60 dias, a singular e talentosa artista plástica Usha Velasco, 41, trabalhou voluntariamente e criou verdadeiras obras com o que aquelas mulheres reciclavam.

As costureiras criaram bonecas de pano. No seu ateliê do lixo, Usha juntou tudo isso e, na Casa Cor Brasília, montou um cantinho chamado de Varjão Consciente. O espaço tem a mesma metragem do tamanho que terão as salas de jantar e de estar da nova casa de Dinorah — 21 metros quadrados. “É o espaço dalit para o Varjão”, brinca Ana Beatriz. Dois dias antes do término do evento, algumas peças estarão à venda. E o dinheiro arrecadado será todo dividido entre as recicladoras e as costureiras.

Na CRV, a torcida pela reconquista da dignidade do endereço de Dinorah é grande. “Separei muitas latinhas pro trabalho. Ela merece por tudo que já enfrentou na vida”, diz Dalva Alves Silveira, 34. Viviane Oliveira, 25, se emociona: “A Dinorah é batalhadora, uma guerreira”. Vanessa Gonçalves, 22, ainda agradece: “Além de gente boa, ela me dá conselhos. Valeu a pena trabalhar tanto”. Até a presidente da CRV, Edinei Santarém, 34, entrou na luta pela casa da colega: “A gente não se cansa quando precisa ajudar”. E comemora: “A central completa um ano semana que vem. No começo, a gente trabalhava o mês inteiro e no fim não dava mais do que R$ 30. Hoje, se consegue levar pra casa até R$ 300”.

Verdade sem retoques

No espaço do Varjão montado no Casa Cor Brasília, Usha criou um ambiente com móveis e retratos, clicados pela lente sensível do fotógrafo Arthur Monteiro, parceiro da artista nesse trabalho sensacional. Ele revelou os moradores no seu dia a dia, em suas casas, suas expressões de sonhos e esperança, rostos sem maquiagem, sem botox, sem chapinhas, roupas de grife ou castelos ornamentando a paisagem. O resultado? A verdade sempre emociona. Ana Beatriz, a professora da regional, se encanta: “É a revolução silenciosa que está sendo feita no Varjão”. Revolução com o que há de melhor no ser humano: a vontade de se transformar. De se reinventar. É o que aquela gente tem feito todos os dias.

No fim da manhã de ontem, o Correio convidou Dinorah para conhecer o espaço Varjão Consciente naquele lugar tão distante de sua realidade. A recicladora trocou o uniforme que usa no galpão e entrou naquele lugar. Ficou maravilhada. Numa das fotos expostas, está a filha dela, que acabou de parir e lhe deu mais uma neta. Na bela fotografia em preto e branco, o mosquiteiro da recém-nascida enfeita a cena. É foto para prêmio. “É como se eu entrasse no meu lar, voltasse à minha casa”, ela compara, com os olhos espantados.

Todas as mulheres que trabalharam no projeto visitarão o Casa Cor Brasília. Percorrerão seus ambientes de revista. É um mundo além do que podem imaginar. Irão com suas roupas simples e uma enorme vontade de conhecer, apreciar, deliciar-se. O belo, de fato, enche os olhos. E entrarão no espaço que ajudaram a construir, a cidade delas. Vão se sentir importantes. Como realmente são.

Sairão dali com a certeza de que, mesmo com a distância incalculável que as separa do mundo sofisticado daquela gente abastada, elas existem, trabalham, produzem, sustentam suas famílias e, no meio do que ninguém mais quer, encontram arte. Essas mulheres do Varjão são sensacionais. Conhecê-las é como voltar a acreditar em gente. No melhor que gente pode ser. Salve, Dinorah, uma recicladora!


1 - Puro requinte
É o maior evento de decoração do Centro-Oeste, que abrirá amanhã suas portas para o público. O local escolhido para ser sede da mostra foi o Clube do Servidor, no Setor de Clubes Norte. O espaço é o maior da história do Casa Cor Brasília. São 18 mil metros quadrados, dos quais mais de 5 mil metros serão usados na construção de 61 ambientes. O tema deste ano será a sustentabilidade. Nesta edição, haverá também uma homenagem ao paisagista Roberto Burle Marx, que deixou sua marca em vários jardins da capital federal e este ano completaria 100 anos. O investimento no evento é de cerca de R$ 5 milhões e a expectativa é que o número de visitantes aumente para 40 mil pessoas durante os 40 dias da mostra, que se encerará em 4 de novembro.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Prêmio Sesc de Fotografia Marc Ferrez 2009


Arthur Monteiro

Imagem intitulada Conscientização ecológica, agraciada com o segundo lugar.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Páginas policiais














Quem já teve a infelicidade de frequentar as páginas policiais como personagem ou testemunha, e não apenas na confortável posição de leitor – ou de voyeur –, reconhecerá nessas fotografias de Arthur Monteiro um registro da vida como ela é. O trágico e o banal estão ali, lado a lado, desconcertantemente próximos. Como a luz amarela sobre o asfalto, tornando quase bela a forma do lençol no chão. Quase. Como disse Drummond, uma coisa são duas – ela mesma e sua imagem.

Elas mesmas, as coisas, são as seguintes: batida policial no Setor de Indústria, à procura de ladrões de carro. Perícia no local de um assassinato, em Samambaia. Empresário assassinado no Setor de Postos e Motéis, em frente à Candangolândia. Merla apreendida no Chaparral (Ceilândia Norte). Suspeito de envolvimento na fabricação de merla. Delegado da 21ª DP (Taguatinga Sul) durante apuração de um assassinato. Jovem acusado de matar os assassinos do irmão, todos envolvidos em acusações de tráfico. Velório no cemitério Campo da Esperança. Velório da primeria pessoa morta por dengue no DF. Morte por linchamento no Céu Azul (o morto era suspeita de latrocínio, roubo seguido de assassinato). Policiais acusados de matar por espancamento um comerciante da Ceilândia. Debaixo do jornal, o corpo de um homem assassinado por dívidas de jogo, num boteco em São Sebastião. Menino de doze anos atropelado por um caminhão na Via Estrutural.

Difícil lidar com essas legendas, assim agrupadas. Informações duras e cruas. Foi exatamente dessa forma que Arthur as apresentou, quando solicitado. Para mim foi mais fácil lidar com as imagens. Talvez uma coisa sejam três: ela, sua imagem e todo um universo de informações.

Usha Velasco