sábado, 3 de maio de 2008
Avijit e a luz da auto-reflexividade
Fotos: Avijit
Avijit, um artista
Ao contrário das oito crianças envolvidas no projeto de Briski, Avijit, já chegou artista. Sentado no chão do quarto onde vive com a avó prostituta e o pai drogado, ele desde muito pequeno projetava em papel a vida fora dos bordéis. De sua paleta já quase sem tinta, pintava as cores do mundo que lhe chegava pela tevê: telhados vermelhos, árvores em diferentes tons de verde, gente em trajes ocidentais e céu azul. A alegria de suas pinturas e a beleza de seu traço renderam-lhe inúmeros prêmios, medalhas que a avó coleciona orgulhosa num armário abarrotado de coisas.
“Eu gosto de desenhar porque quero expressar o que tenho em mente. Quero expressar o meu pensamento usando as cores”, diz o pequeno artista. As cores e formas do pensamento de Avijit não estão em Sonagachi; elas projetam um mundo que só ele vê, o mundo melhor que só é possível em sua mente.
Quando Briski põe em suas mãos uma câmera fotográfica, ele descobre um outro veículo para sua arte e uma Sonagachi que precisa ser vista. O olhar duro, triste, revela não só a dor das crianças que, pela violência, são obrigadas a amadurecer antes da hora, mas a angústia do artista que se sabe maior que seu tempo: “Eu queria ser médico; então quis ser artista. Agora quero ser fotógrafo. Não há uma coisa chamada ‘esperança' em meu futuro”.
Suas circunstâncias de vida parecem mesmo não credenciá-lo para “essa coisa chamada esperança” — muito menos parecem reservar-lhe qualquer futuro.
O orgulho pelo sucesso de suas fotos e a alegria por seu reconhecimento como artista parecem apenas fazer parte de um roteiro trágico que prepara a dor que não se pode explicar nem expressar em cores. Avijit não chora diante da notícia da morte da mãe. Mais que a perda afetiva de alguém que só existia no retrato, a intuição lhe avisava sobre a violência do destino nos bordéis. Talvez nem tenha chegado a saber que sua mãe fora queimada num “acidente” forjado por seu rufião. Avijit apenas se deixa sucumbir pela angústia que lhe corrói a vontade de tudo. Não estuda para os exames do colégio, falta às aulas de fotografia, deixa os rolos de filme fora da câmera.
Mais do que deprimido, o pequeno artista está revoltado. Como sugere o ensaio de Camus, o homem revoltado é aquele que diz não: ele nega alguma coisa porque antes ele afirma algo que lhe é negado. A revolta, então, é positiva, ativa, se dá em favor de princípios que transcendem o indivíduo, que reclama valores comuns a outros homens: frente a um mundo repleto de absurdos, a revolta, em vez de romper com limites, afirma o direito do homem e estabelece os limites da opressão. Avijit sempre fez de sua arte um instrumento da revolta contra a violência, a injustiça e a falta de esperança da invisibilidade da vida de mulheres e crianças condenadas ao vermelho angustiante dos bordéis. Mas a morte da mãe havia degenerado seu espírito revoltado em um espírito ressentido, e Avijit agora experimenta a negação absoluta, a aniquilação total, o niilismo.
"Embora a sociedade de massa e a economia de mercado se esforcem para igualar os homens — tratando-os como meros consumidores e padronizando seus desejos —, a desigualdade social desafia a retórica do progresso e se impõe pela teimosia. Insiste em se colocar em nosso caminho, borrando de sangue e de dor o cenário prazeroso forjado pela publicidade. Rebelde aos caprichos da era da estética e ao ideário salvacionista da globalização, a desigualdade oferece imagens de horror e violência na ilusão de nos inspirar compaixão, indignação, talvez revolta e desejo de mudança. Mas, na efemeridade do aqui-e-agora instaurado pelo fim das utopias, ainda haveria lugar para futuro?"
Patrícia Iorio
*Estamos a procura deste talentoso menino, quem souber seu paradeiro nos informe por gentileza, obrigado!
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