Como você concebe um trabalho?
Não tenho muita idéia de como se concebe, um trabalho vem vindo meio que como uma avalanche de idéias, que vêm do inconsciente, se misturam com outras idéias mais racionais e vou construindo e selecionando até começar o trabalho de feitura das fotos. Aí serve a sensibilidade aliada a uma certa ginástica de fazer. Algumas vezes, são projetos que surgem de pedidos de algum projeto aberto: do tipo, Miradas de fin de siglo, organizado na Espanha por Lola Garrido Almendariz. Projetos em que se chama alguém para fazer imagens de determinado lugar, porém deixando o artista totalmente livre para colocar sua marca pessoal. Para mim isso funciona como o processo de fazer uma tela mesmo. São camadas que vão sendo feitas de tentativas, reconstruções. Não feito, é como no design, no qual se tem uma idéia e vem depois a construção, que tem de ser exatamente como a idéia original. Eu acredito muito no trabalho quando ele tem uma base com um mínimo de conceito, mas no qual a própria feitura do trabalho acaba trazendo uma outra densidade. Às vezes meu trabalho nasce de uma proposta conceitual, outras vezes vem da vida e da experiência...
Quando você edita, pensa num discurso literário ou num discurso imagético?
Num discurso imagético, com poética própria. Não penso numa narrativa com começo, meio e fim. Me sinto mais identificado com essa narrativa sem uma construção linear ou literal. Penso no ritmo.
Essa sua capacidade de transitar por várias linguagens, pintura, cinema, fotografia, é uma insatisfação sua ou você acredita que uma única linguagem seja incapaz de dar conta do que você quer dizer?
Eu acho que é um prazer poder misturar essas várias maneiras de expressão. Na minha fotografia existe uma parte que é pintura, e que muitos gostam, outros acham ruim por não ser fotografia “pura”, por ser “mestiça”. Mas para mim, isso já faz parte da minha identificação. Então acredito que tenho que colocar junto as minhas várias experiências. Passeio muito bem por essas trilhas variadas. No entanto, também tenho imagens “puras” que não precisam da ajuda de outras para serem completas.
Aparentemente pode parecer caótico...
Mas acredito que eu tenho uma ordem mais ligada à música, ou musical... Um equilíbrio no limite da queda...
Pois é, a música. Ela também é importante para você...
Infelizmente não toco nenhum instrumento, talvez seja minha maior frustração, a comunicação pela música me parece a mais completa, aquela que toca as pessoas sem precisar explicar muito. No entanto acabo criando as trilhas sonoras, ou seja, usando músicas já compostas, ou então como tenho feito ultimamente, convidando músicos e criando com eles, graças a eles, as trilhas sonoras para minhas projeções e instalações. A música é algo essencial para mim, no trabalho e na vida. Teve até uma história engraçada. Em 1985, eu fiz uma exposição na galeria que a Magnum teve em Paris e um dos membros, o Dennis Stock, chegou para mim e disse: “O seu problema, Miguel, é que você está tentando fazer música com fotografia”. Mas para mim não era e não é um problema, aquilo foi um elogio.
Trechos do livro Miguel Rio Branco, de Simonetta Persichetti - Editora Lazuli e Companhia Editora Nacional – 2008.
Portfolio na Magnum
Uma conversa com o fotógrafo