A TARDE - Segundo Caderno - 11 de Agosto de 2009
Bjs e até breve, Miguel.
Querido Mario
Não queria mesmo estar aqui escrevendo isso, mas é a única coisa que ainda posso fazer neste momento de vazio, para ter você ainda vivo na minha memória. E, afastando as lágrimas, tento me lembrar do primeiro encontro em NY, em 1970, quando vi pela primeira vez suas imagens em preto e branco feitas naquela capital da solidão. Foi ali, você, a minha única influência na fotografia depois de Bill Brandt, e foi também a primeira vez que conhecia pessoalmente um artista múltiplo, instigante, natural. Alguém cuja especialidade e função eram uma só: criar.
A sua falta será mais terrível dia após dia, vendo em que tamanha pobreza caiu a criação fotográfica em particular, a criação em geral nesta época de falta de expressão, nesta época de propaganda e marketing. Logo você, artista inovador e completo em todas as áreas, estradas abertas ao infinito, estradas nas quais também gosto de me perder e me achar de novo. Algumas dessas que percorremos juntos, como nos sertões em 76 e em 85.
Depois foi na Boca do Rio, onde fiquei hospedado inúmeras vezes com imagens de seus personagens retratados, e meus primeiros encontros baianos. Encontros que criaram raízes em um desenraizado como eu. Mas afinal você foi o mestre também das raízes, não foi mesmo? Imagine que me ligaram para escrever um artigo sobre você agora. E por que ninguém pensou nisso antes, quando você ainda estava aqui? Afinal, sempre fomos pares ímpares. E ultimamente queria muito fazer uma outra exposição juntos, como aquela de 1988 no Palazzo Fortuny, em Veneza.
Enfim, o que dizer sobre sua obra que já não tenha sido dito de maneira mais hábil? Que foi uma das grandes inspirações que andou correndo o mundo todo, e que também construímos paralelos que muitos desconhecem? Que seu preto e branco, pelo qual você ficou mais conhecido, era somente um pedacinho de você? Que sua cor era lírica enquanto a minha era trágica? Mas que tanto uma quanto a outra iam fundo na realidade.
Na verdade, essas poucas linhas não serão suficientes para falar de sua obra absolutamente única e genial (afinal, a arte só existe, sobretudo verdadeira, pela sua individualidade, sua originalidade.
E nisso, mais uma vez, você foi insubstituível).
E, francamente, não tenho mais palavras, porque elas sempre foram insuficientes para sua obra visual. E, aqui, no áudio, fica Tutu , de Miles Davis, um dos muitos sons que você me fez conhecer.
Miguel Rio Branco | Fotógrafo
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