sexta-feira, 13 de junho de 2008

A maior montanha do mundo para a maior mãe do mundo.


(Por Joao Paulo Barbosa)


"Where can one find words with which to praise the Creator after seeing the imcomparable beauty of the Himalayas?", sings the Hindu

"Not even in a hundred years of the gods could I tell you of the glories of the Himalaya". The Puranas


Cheguei ontem pela manha em Kathmandu (capital do Nepal), vindo de Lukla, by plane. Foram 24 dias caminhando, sobe-desce sobe-desce, entre 2.900 e 5.546 metros, dentro do parque nacional mais alto do mundo, o Sagarmatha National Park - terra dos Sherpas, guardioes do Monte Everest. Uma regiao muito privilegiada: o Ama Dablam, o Kangtega, o Thamserku, o Kwangde, o Lhotse, o Nuptse, o Changtse, o Taboche, o Lobuche, o Pumori, o Cho Oyu, o Makalu... e tantos gigantes belissimos reunidos. Para mim, que sempre curtiu Historia, Fotografia e Montanhismo, foi um dos melhores presentes da vida. Descer sozinho o Kala Pathar (5.543 m), com a luz incrivel da Lua cheia iluminando tudo, sem um movimento de vento, num mundo de silencio profundo, com o monte Everest crescendo a minha frente, posso dizer, lembrar e emocionar-me para sempre, que foi um dos momentos mais bem vividos de toda a minha vida. Entendi perfeitamente o "love affair with a mountain", vivido pelo alpinista George Mallory, entre 1921 e 1924. No meu caso, precisei viver 34 anos e viajar 265 dias para encontrar-me ali, diante de um simbolo, de um mito, de uma massa de rocha que encanta meio mundo e que, ha tantos milhoes de anos atras, ja foi o fundo de um mar.

"Chomolungma"
A montanha revelou-se,
devagar
como um grande amor.

Dentre os pontos altos dessa caminhada (interna e externa; "I'm delighted on my voyage inward for there is always room to grow", escreveu Reinhold Messner, apos a primeira escalada solo em sem oxigenio do Everest, em 1980), alem das figuras rarissimas que conheci e que pude compartilhar tudo de bom que se vive nas montanhas - 'aprendi a conhecer melhor as pessoas atraves das pedras que elas escolhem pisar ao caminhar' - , cito a subida solitaria ao Chhukung Ri (5.546 m), uma noite de "sonhos de apneia" no acampamento-base do Everest, a travessia do Chola Pass (5.330 m), e, por fim, a subida ao topo do Gokyo Ri (5.483 m). Nao sao, nem de longe, consideradas aventuras perigosas, que merecam um "parabens, voce mandou muito bem". Mas, ao contrario, o que sempre contou para mim foi a possibilidade da altura ampliar a dimensao da paisagem. Como bem definiu Robert Macfarlane, em seu Mountains of the mind, "visionary amplitudes of altitute". E, tambem, o prazer sem fim de estar bem e em paz em qualquer lugar. Eh isso o que me faz queimar os musculos das pernas, me deixar com nos (acento) nas costas e exercitar ao maximo a economia do ato, tao esquecido, de respirar com concentracao e consciencia vital.

Ontem, voltando a Kathmandu, feliz por estar voltando a "civilizacao", dei-me conta pela centesima vez (e nem precisava dar-me mais conta disso) que a vida com a montanha, no meio da natureza, eh bem mais vida, bem mais sonho, bem mais intensa, bem mais... real. Sao momentos, sao dias, sao situacoes, que me promovem, me deslocam, me transportam, para um universo sem modernidade, sem tecnologia, sem aceleracao. Acho que me vejo como um mergulhador das altezas, ou um montanhista das profundezas. Montanhas, ja disse antes, sao altares. Entao, acordei, calcei as pesadas botas, e fui rezar. Lembrei-me da bela frase de Kim Stanley Robinson, no classico 'Escape from Kathmandu': "One of those quiet Himalayan moments, where the world seems like an immense chapel". Quando me perguntam (e aqui na Asia sempre perguntam) qual eh a minha religiao, qual eh o meu deus (ou Deusa), divirto-me respondendo "minha religiao eh o caminhar na natureza, passear pelo mundo", e que meu deus (ou Deusa) "eh o Sol, a Lua... tudo o que eh para todos".

Quando nos reencontrarmos terei muito mais inspiracao e tempo para contar-lhes sobre a textura de cada pedra e de cada rosto que toquei com os olhos ou com os dedos, nesta viagem inesquecivel aos pes da maior montanha do mundo.

beijos e abracos de 8.850 metros,

Joao


PS - o nome tibetano para o Everest eh, ha muitos seculos, Chomolungma, "Deusa Mae do Mundo".

PS 2 - Este mixto de relato-mensagem eh especialmente dedicado a melhor mae do mundo, a minha!, dona Joy Santos Barbosa (17 de junho), alpinista de pedras-mais-que-preciosas. Com todo o carinho e amor para ela (e para todos voces tambem) segue uma selecao de "imagens das alturas" feitas com a melhor luz disponivel aos olhos. Valeu mae! ... mais uma vez, tocamos a troposfera!

...

Nota fotografica: Chomolungma aparece nas fotos 7558, 7594, 7621, 7448, 7451 e 7469. A ultima foto nao eh minha. Foi feita pela montanhista chilena Francisca Caballero. Sou eu, depois de escalar nas geleiras do glaciar do Khumbu, ponto de partida para os alpinistas que escalam o Everest, o Lhotse ou o Nuptse.

Tutche! Sala tetu!*

*(Grato. Ate breve!, na lingua Sherpa)

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