quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Toda fotografia é uma farsa




Weimer Carvalho usa um gesto simples para produzir estranhamento e significados. Brinca com a identidade na tradição do retrato e ainda parodia o artista americano John Baldessari


Que bela foto!

Por Rodrigo Braga

Em maior ou menor grau, toda imagem é uma construção do fotógrafo, e todas as escolhas e elementos contidos no quadro são passíveis de leitura e interpretação. Mesmo no fotojornalismo, sabemos que a imagem é um misto do acontecimento, do referencial (ou seja, do objeto fotografado) e das intenções do fotógrafo. Ainda que essas “intenções” não estejam para ele muito claras no momento do click, não podemos negar que elas são parte do repertório da formação daquele indivíduo fotógrafo, seja profissional ou amador.

Peço licença aqui para abordar um assunto que, em parte, foge ao tema da entrevista para qual fui convidado no Paraty em Foco (fotografia e auto-representação). Digo “em parte” pois também quero dizer da minha própria prática para exemplificar meu pensamento.

Nos últimos meses venho refletindo bastante sobre os riscos de uma “bela” foto. Para além do discurso de que a beleza é algo muito subjetivo e de que isso não se discute, consideremos aqui aquele belo que está culturalmente entranhado no hábito do ver do homem ocidental e midiático, ou seja, aquilo que, no meio dessa profusão de imagens do mundo contemporâneo, agrada aos olhos de uma maioria. Falo do prazer estético do olhar, daquele gozo retiniano que nos acomete ao vermos uma imagem bem estruturada, equilibrada, fartamente colorida ou bem desenhada nos velhos moldes da fotografia em preto e branco. Nesse sentido, faço questão de incluir a minha própria obra nessa abordagem, uma vez que minha formação e inicial atuação como desenhista e pintor foram fundamentais (e muito) para construir minha identidade enquanto fotógrafo nos dias de hoje. Sobretudo na série Paisagens (2008), percebi o quanto fotógrafo como um pintor. Embora não busque objetivamente estruturar uma imagem sobre qualquer parâmetro clássico pré-definido, a realização de uma fotografia esteticamente bem resolvida acaba sendo inevitável, dada minha influência do universo artístico mais tradicional. Cada um ao seu modo, nesse mesmo contexto talvez nos encontremos todos nós, fotógrafos, que treinamos nosso olhar a fim de lançar ao mundo mais uma imagem significativa, tocante, enfim. Contudo, o que diz uma “bela” foto para além de um prazer estético mais imediato? Além do fator de atração seria também a beleza um elemento dissonante em potencial? Ou, ainda, poderiam ser criados outros padrões de beleza diferentes daqueles já estabelecidos?

É certo que os incríveis avanços tecnológicos da indústria fotográfica vêm facilitando a vida dos fotógrafos, sejam eles iniciantes ou veteranos. Com as estonteantes definições e recursos das câmeras profissionais (e até das amadoras) atualmente encontradas no mercado somadas às infinitas possibilidades de edição e “ajustes” de pós-produção, convenhamos que não é muito difícil se escolher uma imagem de qualidade dentre aquelas inúmeras que nossos cartões de memória sem fim conseguem armazenar e os velozes computadores podem processar. Daí não faltam comentários elogiosos dos nossos pares quando publicamos ao mundo nossas criações nas plataformas online de compartilhamento de dados – como o Flickr, por exemplo. Mas o que percebo, em muitos casos, é um esvaziamento das possibilidades cognitivas contidas em muitas imagens. É como se o elevado grau de beleza acabasse por abafar qualquer rompante de poder simbólico de uma imagem. Ou, pelo outro lado, aquelas imagens que fogem às “regras da boa imagem” costumam ser lidas com estranhamento e repulsa pelo público ou mesmo pelo sistema no qual estamos inseridos.

Volto agora à “intenção do fotógrafo”, que abordei no início, para deixar uma reflexão neste texto em aberto e repleto de dúvidas: o que de fato queremos enquanto fotógrafos? Seria arrebatar o público com prazeres estéticos imensuráveis? Seria arrancar elogios dos nossos colegas de profissão e amantes da “boa” imagem afim de nos tornarmos respeitados? Seria produzir para nosso bel prazer e, quiçá, mostrar aos demais nossas “crias”? Seria ter uma intenção simbólica e política clara? Seria simplesmente fotografar ou seria mais que isso…?

Fonte: blog do Paraty em Foco

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